quinta-feira, 28 de junho de 2018

Janete, de 27 anos, foi demitida no início do ano e agora faz bolos em potes para garantir uma renda.



A pesquisa ajuda a entender o que de fato levou esses trabalhadores para a informalidade. É de se imaginar que a decisão não foi por livre e espontânea vontade: 50% dizem ter sido obrigados a complementar a renda porque o custo de vida aumentou e 20% viraram informais porque eles próprios, ou alguém da família, perderam o emprego. “Para não perder o poder de compra e manter as conquistas, essas pessoas estão fazendo malabarismos”, diz Maurício de Almeida Prado, sócio-diretor da Plano CDE.



Na cidade em que Janete Correia mora com o marido e com as duas filhas, fazer malabarismos para conseguir um dinheiro a mais, historicamente, significa cruzar a fronteira e voltar com as sacolas cheias de quinquilharias do Paraguai para vender do lado de cá. Ela mora em Foz do Iguaçu (PR), a 15 minutos da Ponte da Amizade. Perdeu as contas de quantas vezes, na hora do aperto, esteve em Ciudad del Este para comprar maquiagens e acessórios para revender. Desta vez, ao ser demitida do Sindicato dos Motoristas de Ônibus, onde trabalhava como secretária havia quase três anos, teve de pensar em outra saída. “Com o dólar valendo mais de R$ 3,50 não vale a pena ser sacoleiro. Tem muita gente desistindo dessa atividade por aqui.”



Na agência do trabalhador, ela até conseguiu uma vaga em um frigorífico na cidade de Cascavel. Mas com duas filhas pequenas, seria inviável trabalhar a 150 km de distância. Foi nos grupos de culinária do Facebook que Janete encontrou uma inspiração. Ela sempre gostou de cozinhar para a família e percebeu que esse hobby poderia se converter em uma atividade profissional para ajudar o marido, motorista, com as contas de casa, que não são poucas. Além das prestações de um carro, os dois pagam R$ 522 por mês de financiamento imobiliário, pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Na cozinha da casa nova, ela começou a fazer “bolo no pote”. É quase uma sobremesa, vendida em porções pequenas, dentro de potinhos plásticos. O de 250 ml sai por R$ 6. “Em maio, quando comecei, só uma pessoa vendia bolo de pote em Foz do Iguaçu. Agora, já são 15”, diz. Por dia, Janete produz e vende cerca de 80 bolos, o que já lhe rende bem mais que os R$ 1.200 que recebia como auxiliar administrativa. Cinco meses depois, ela já aceita encomendas para festas, quer ampliar a oferta de produtos e já fala até em ter uma loja física. “Meu sonho antes era ser farmacêutica, agora é ter minha própria confeitaria”, diz.



Até lá, Janete terá de transpor as muitas barreiras que existem no caminho da formalização: a burocracia e as altas cargas tributárias. A figura jurídica do Microempreendedor Individual, criada em 2008, é uma porta de entrada para quem trabalha na informalidade. Com essa modalidade, válida para quem fatura até R$ 60 mil por ano, o empreendedor não paga impostos para o governo federal. O tributo é um valor fixo mensal que vai de R$ 40 a R$ 45,40 dependendo do tipo de atividade. Em junho, o País atingiu a marca de 5 milhões de microempreendedores individuais, mas ainda há muito o que fazer. “Não é possível saber exatamente, mas a estimativa é de que o estoque de brasileiros com potencial para se tornarem microempreendedores individuais é de 5 milhões”, diz o presidente do Sebrae, Luiz Barretto.



O problema é que existe uma crise no meio do caminho. Com a retração da economia, a tendência é que o aumento da informalidade se sobreponha ao processo de formalização, que vinha evoluindo desde 2003. Um estudo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) em parceria com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE), mostra justamente que a queda do trabalho informal vem perdendo força no Brasil. Essas instituições calculam desde 2003 o Índice de Economia Subterrânea, que estima o valor movimentado por atividades não declaradas ao poder público. No ano passado, o mercado informal representou 16,1% do PIB – ou R$ 826 bilhões. A queda é de apenas 0,2 ponto porcentual em relação a 2013. Nos últimos dez anos, esse indicador caiu quase cinco pontos porcentuais. “A deterioração do mercado de trabalho já dá indícios de que a economia subterrânea pode voltar a crescer. É bem provável que isso apareça no indicador de 2015”, diz o pesquisador do IBRE, Rodrigo Leandro de Moura.



O bolo no pote da Janete e os sabonetes da Valquíria devem contribuir com isso, ainda que elas não façam ideia do que seja essa tal economia subterrânea. Mas afirmam que, se pudessem, não fariam parte dela. Valquíria preferia estar empregada. Janete gostaria de ter sua confeitaria, com tudo certinho no papel.



Ao se distanciar dos gráficos e planilhas para se aproximar de casos como esses, o professor Hélio Zylberstajn costuma dizer que, o que chamam de “informalidade”, ele prefere chamar de “vida”. “É claro que o aumento do trabalho informal é ruim para economia, porque as pessoas estão produzindo bens e serviços às margens do sistema tributário”, diz. “Mas não dá para criticar. Elas estão fazendo, simplesmente, o que dá para fazer. É uma estratégia de quem precisa ganhar a vida.”

Fonte: Info gráficos Estadão

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